A desproporcionalidade da pena do artigo 273 do CP.

Há uma discussão se a pena descrita no artigo 273 do CP é proporcional à gravidade do delito ali previsto.

Quando lemos a pena descrita no artigo 273 do CP, vislumbramos a pena mínima de 10 (dez) anos e vimos o disparate em relação a pena do crime de tráfico de drogas, que possui pena mínima de 5 (cinco) anos. Enxergamos, portanto, uma pena mínima desproporcional ao analisar com outros crimes mais graves.

Em matéria penal, a exigência de proporcionalidade é necessária para trazer um equilíbrio entre o crime e a pena, para que a pena seja proporcional à combater risco à lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.

Como muito bem ensina os doutrinadores penalistas, a proporcionalidade deve estar presente tanto no plano abstrato (legislador que comina as penas) quanto no plano concreto (magistrado que aplica as penas).

Desta forma, o princípio da proporcionalidade funciona como limite não somente ao Magistrado, que aplicará a pena, mas também ao legislador, que deverá observar essa proporcionalidade entre o crime e a pena.

Como assevera o Prof Cleber Masson[1], o princípio da proporcionalidade apresenta três dimensões:

  1. Adequação da pena: a pena criminal deve ser um meio adequado, entre todos os outros menos gravosos, para realizar o fim de proteger um bem jurídico.
  2. Necessidade da pena: a pena criminal deve ser (meio adequado entre outros) é, também, meio necessário (outros meios podem ser adequados, mas não seriam necessários) para realizar o fim de proteger um bem jurídico.
  3. Proporcionalidade em sentido estrito: a pena criminal cominada e/ou aplicada (considerada meio adequado e necessário), deve ser proporcional à natureza e extensão da lesão abstrata e/ou concreta do bem jurídico.

Nota-se, em todas estas dimensões, que almeja-se evitar uma resposta penal excessiva frente à infração penal considerada. Por isso que a utilização do princípio da proporcionalidade envolve a apreciação da necessidade e da adequação da resposta penal.

Em sentido contrário, com a edição da lei nº 9.677/1998, foi alterada significativamente a redação do artigo 273 do Código Penal, aumentando as hipóteses de incidência do tipo penal, além de ter ampliado de forma desproporcional a pena prevista, bem como o incluindo no rol de crimes hediondos, punindo severamente quem pratica qualquer das condutas descritas no caput e nos parágrafos.

Dessa forma, a conduta de importação de medicamentos, matérias-primas, insumos farmacêuticos, cosméticos, saneantes e os de uso em diagnóstico, passaram a ser punidas com no mínimo 10 (dez) em o máximo 15 (quinze) anos de reclusão.

Contudo, conforme se observa na redação do tipo penal, a pena atribuída ao delito se mostra desproporcional quando comparada a outros crimes de relevante periculosidade.

Nesse diapasão, percebe-se que o direito à liberdade do homem sofre grande constrangimento, face às penas severas cominadas ao delito, além das agravantes apostas pela Lei dos Crimes Hediondos, sem que, em contrapartida, a conduta ofereça tamanho risco à saúde pública.

Assim, a solução mais adequada segundo a jurisprudência foi declarar a inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 273, do Código Penal, com base no princípio da proporcionalidade, e aplicar, em analogia, a pena estabelecida no artigo 33 da Lei de Tráfico Ilícito de Drogas nº 11.343/06, qual seja, 05 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão.

Vejamos a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça acerca da inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273 e parágrafos e a aplicação subsidiária das penas prescritas no art. 33 da Lei 11.343/06, inclusive da minorante prevista em seu § 4º.

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. ART. 273, § 1º C/C § 1ºA e § 1ºB, INCISO I, DO CÓDIGO PENALCP. PRECEITO SECUNDÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. APLICABILIDADE DA SANÇÃO PREVISTA NO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ANALISADA PELA CORTE ESPECIAL. MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. APLICABILIDADE. PRECEDENTES. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça – STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. 2. Ao julgar a arguição de inconstitucionalidade formulada no HC n. 239.363/PR, a Corte Especial do STJ, por maioria, declarou a inconstitucionalidade do preceito secundário da norma do artigo 273 do Código Penal e determinou a aplicação do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, em respeito ao princípio da proporcionalidade. Precedentes. 3 – Há julgados de ambas as Turmas do STJ os quais afirmam que a minorante do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 é aplicável, afirmando, inclusive, que a questão foi decidida por ocasião do julgamento da arguição de inconstitucionalidade do art. 273 do CP. Precedentes. 4. Analisado o panorama da jurisprudência do STJ, bem como os votos proferidos na ocasião do julgamento da referida arguição de inconstitucionalidade, filio-me à corrente que aceita a aplicabilidade da minorante do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. 5. Habeas corpus substitutivo não conhecido. Ordem concedida de ofício, com fundamento no art. 654, § 2º do Código de Processo Penal, para determinar que o Tribunal Regional Federal da Terceira Região aplique, à espécie, a sanção prevista no art. 33 da Lei 11.343/2006, bem como analise se as circunstâncias fáticas do caso concreto autorizam a incidência da minorante prevista no § 4º do referido dispositivo.

Observamos ainda que não somente o preceito secundário do artigo 33 da lei de drogas deverá ser aplicado, por analogia, mas também a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4 da referida lei.

A causa de diminuição faz parte do preceito secundário, pois está relacionada à pena, não fazendo sentido não aplicá-la.

Assim, conforme a jurisprudência do órgão responsável pela interpretação de lei ordinária, deve o Magistrado aplicar a pena prevista no artigo 33 da lei 11343/2006 ao crime do artigo 273 do CP, inclusive a causa de diminuição prevista no § 4 do citado artigo da lei extravagante.

Mas será que realmente a analogia foi a melhor solução? Veremos no próximo artigo.

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[1] Masson, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 / Cleber Masson. – 8.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

 

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