Devo atacar o mérito no Habeas Corpus?

Muitos impetrantes reclamam que teve o habeas corpus negado. Mas será que os fundamentos da peça foi sobre a decisão a qual está inconformado ou foi sobre o mérito da causa?

Esse é um grande equívoco em que um impetrante pode ocorrer. Trazer o mérito do caso para dentro do habeas corpus.

Sabemos que o heroico remédio constitucional Habeas Corpus tem por finalidade preservar ou restabelecer a liberdade do indivíduo que teve, ilegalmente, sua liberdade cerceada.

Apesar da sua localização no CPP estar na parte de recursos, o que poderia dar a entender que deve ser tratado o mérito, Habeas corpus não é recurso e sim uma ação autônoma, prevista na Constituição Federal, que tem por escopo combater uma coação ilegal que restringiu a liberdade de um cidadão.

O artigo 647 do CPP indica que a fundamentação do Habeas Corpus deverá ser a coação ilegal. Assim, sempre que o advogado fizer um habeas corpus, deverá fundamentar na coação ilegal, abrindo até mesmo um tópico na peça com essa nomenclatura, para ficar fácil a identificação.

No artigo seguinte (648) traz as hipóteses de coação ilegal e vamos enxergar que em nenhum momento traz como fundamento o mérito da causa, ou seja, se foi ele ou não o autor do infração penal. Esse tema não é apropriado para o Habeas corpus, pode atrapalhar a estratégia e adiantar a matéria ao tribunal. O impetrante deve se ater somente ao ato ilegal que restringiu a liberdade[1].

Todavia, podemos compreender que a hipótese de justa causa trazida no inciso primeiro do artigo 648 pode levar a entender que se trata de provas suficientes para um processo. Ocorre que não podemos confundir a justa causa do 648, inciso I do CPP com a justa causa trazida no 395, III do CPP. Nesse, temos o mínimo lastro probatório para propositura da ação penal e naquele temos os requisitos do ato que restringiu a liberdade do agente.

Os demais incisos do artigo 648 nos remetem, sempre, aos requisitos do ato que cessou a liberdade do agente ou que irá cessar, visto que uma das modalidades do habeas corpus é a sua forma preventiva.

Assim, o impetrante não deve trazer como fundamento fatos relacionados ao mérito e sim atacar a decisão que decretou prisão provisória ou alguma das medidas cautelares diversas da prisão (319/320 CPP), caso seja esse o motivo que se insurge, fazendo com que utilize o remédio constitucional.

Importante o impetrante ficar atento a esse ponto, devendo atacar a decisão, trazendo argumentos que a mesma não preencheu os requisitos trazidos na lei.

Como exemplo, e traremos em um outro artigo mais destrinchado o tema, a prisão preventiva possui seus requisitos legais e, não sendo observados, o impetrante deve atacar a ausência desses requisitos (coação ilegal por ausência de justa causa) e não entrar no mérito da causa, visto não ser a via adequada, conforme já decidido pacificamente pelos tribunais superiores.

Diante disso, recomenda-se que a fundamentação se restrinja aos termos da decisão, de forma objetiva e clara, sem entrar no mérito dos fatos.

[1] HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. INVIABILIDADE. VIA INADEQUADA. (2) PROGRESSÃO DE REGIME. MÉRITO DO CONDENADO. EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE. DECISÃO FUNDAMENTADA. (3) HIPÓTESE EM QUE A CORTE ESTADUAL ENTENDEU PELA COMPLEMENTAÇÃO DO EXAME CRIMINOLÓGICO. ANÁLISE APROFUNDADA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. VIA INADEQUADA. (4) WRIT NÃO CONHECIDO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional e em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial. 2. Não é vedado ao juiz determinar a realização dos exames periciais, desde que o faça de maneira fundamentada, atendendo não só à garantia constitucional de motivação das decisões judiciais, expressa no artigo 93, inciso, IX, como à própria previsão do artigo 112, § 1º, da Lei de Execução Penal. 3. Hipótese em que a Corte estadual entendeu incabível a progressão de regime e assentou a necessidade de complementação do exame criminológico, amparando-se, para justificar o decisum, no laudo psiquiátrico incompleto. Concluir de forma diversa demandará uma incursão aprofundada no conjunto fático-probatório dos autos, inviável em sede de habeas corpus. 4. Habeas corpus não conhecido.

(STJ – HC: 301607 SP 2014/0203929-4, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 06/11/2014, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/11/2014)

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